Jogador nascido em Manacapuru fala sobre a experiência de jogar contra o Real Madrid.

Ele saiu do município de Manacapuru (a 84 quilômetros de Manaus) para se tornar um ídolo do futebol no Leste europeu. Com a camisa Ludogorets, time da pequena cidade de Razgrad, na Bulgária - que tem pouco mais de 30 mil habitantes -, Marcelinho brilhou e escreveu seu nome na história do maior torneio de clubes do mundo, ao marcar um gol no todo poderoso Real Madrid, na última quarta-feira, pela Liga dos Campeões da Europa. O time búlgaro saiu na frente e surpreendeu o elenco que é o maior vencedor da Champions. O time de Cristiano Ronaldo conseguiu a virada (2 a 1), mas o efeito deste manacapuruense do bairro Terra Preta rodou o mundo.

O amazonense, que surgiu para o futebol ainda em 2001, quando disputou o Campeonato Amazonense pelo Rio Negro, sendo campeão Estadual, passou por muitas dificuldades antes de despontar no futebol internacional.

Depois da passagem pelo Galo da Praça da Saudade, ele foi aprovado para jogar no São Paulo, depois de uma temporada de testes. Foi aí que os problemas começaram. Dirigentes do Rio Negro, segundo ele, tentaram impedir e atrasar a transferência do jogador para a equipe do Morumbi. A família do jogador entrou com processo judicial e conseguiu a liberação do meia, meses depois.

O agora badalado jogador conversou, ontem, com exclusividade com o CRAQUE, por telefone, direto da Bulgária. Neste papo ele faltou sobre a atual fase, decepção com dirigentes do futebol amazonense, a passagem pelo São Paulo, seleção de base e sobre os vários clubes pequenos do futebol brasileiro que jogou antes de “pousar” na Águia de Razgrad.

Como iniciou sua carreira no futebol amazonense?
Surgiu no Princesa jogando nas categorias de base em 1999. No mesmo ano disputei a competição de Seleções das Cidades e chegamos à final em Manaus. Jogamos contra a Seleção do Colégio Agrícola e acabamos perdendo. Lembro que estava chorando e Mirandinha (à época treinador do Rio Negro) disse assim pra mim: ‘Chora não que você vai para o Rio Negro’. Fiquei muito feliz; ele acabou falando com meu pai, ficou acertado minha mudança para Manaus no ano de 2000.

Como foi o primeiro ano no Rio Negro?
No ano de 2000 fiquei apenas no juniores, mas já treinava com os profissionais. Joguei em 2001, quando a equipe foi campeã, tinha 15 para 16 anos. Mas fiz parte de todo o processo daquele time campeão. Participei da comemoração. (Risos)

E como foi para chegar à Seleção de base?
Eu disputei o Campeonato Brasileiro de Seleções em 2002, realizado em Londrina. Todos os estados disputavam a competição. Era uma vitrine e diziam que olheiros da CBF estavam por lá. Quando voltei para o Rio Negro meu contrato já tinha acabado com o clube e o Mirandinha me indicou para o São Paulo. Aí recebi a ligação da CBF convocando os melhores jogadores para a seleção Sub-20. Passei três dias e fiz três amistosos dentro da Granja Comary.

E como foi no São Paulo?
Meu contrato já havia acabado com o Rio Negro e fui para o São Paulo passar por um mês de testes. Depois disso eles partiram para me contratar. Quando foram na CBF encontraram um contrato de cinco anos com o Rio Negro.

O Rio Negro dificultou sua saída do clube?
Os dirigentes me atrapalharam e muito. Minha família até hoje sofre com isso. Eles falsificaram minha assinatura. Nenhum jogador de futebol do Amazonas vai fechar com um clube por cinco anos. E disseram que só sairia de lá (Rio Negro) se pagassem a multa rescisórias de R$ 400 mil. Foi provado pela Polícia Civil que falsificaram minha assinatura. Tive a sorte de o São Paulo ter me segurado, até o momento da assinatura. Mas até comprovarem tudo era falso levou cerca de nove meses.

Como foi sua história no São Paulo?
Cheguei com 16 anos ao São Paulo em 2002. Não pude disputar o campeonato até o primeiro semestre de 2003 por causa do falso contrato como Rio Negro. Depois disso disputei o Paulista e Copa São Paulo pelas categorias de base. Como me destaquei na base fui convidado a disputar um amistoso fazendo parte do time principal nos Estados Unidos contra o Los Angeles Galaxy. Foi uma experiência muito satisfatória. Jogar ao lado do Lugano, Marquinhos, Tardelly foi muito bom.

O que deu errado para não assumir a função de titular?
Acho que faltou cabeça, eu morava sozinho. Poderia ser mais profissional e dedicado. Poderia ter alguém do meu lado para me aconselhar. Não posso dizer que foi um lamento e sim um aprendizado para me tornar um homem melhor. Em 2005 saí e não renovei porque eu sabia que não teria vaga no time principal.

E como foi até chegar ao Ludogorets?
Depois do São Paulo fui para o Cascavel (PR), a convite do Mirandinha. Aí fui para o Paraná, São Caetano, Santa Cruzense (SP), Catanduvense (SP), Ituano (SP), Al Nasser (Kuwait), Mogi Mirim (SP) e o Bragantino. Um empresário carioca me viu jogando e me indicou para o Ludogorets e cheguei aqui em maio de 2011.

Demorou para se adaptar no clube?
É sempre difícil chegar num país que já estava começando a nevar. Tive dificuldades com a língua, mas sou uma pessoa que acredito que jogar é mais importante do que falar. Também quando cheguei aqui já tinha o lateral Guilherme Choco e estava se adaptando também e me ajudou um pouco. Mas minha dificuldade foi o frio mesmo.

E como foi se tornar um jogador de destaque?
Cheguei numa fase boa, em que o presidente estava investindo. Chegou jogadores que atuaram na Seleção Búlgara. E no primeiro ano os treinadores adversários falavam que o nosso time parecia que jogava há anos. Nisso subimos de divisão fomos campeões do Campeonato Búlgaro, a Copa da Bulgária e a Super Copa da Bulgária. Nesta temporada fiz 14 gols, sendo que dois foram na final da Copa do Bulgária. Na Super Copa vencemos por 3 a 1 e fiz um gol.

Quais os caminhos para chegar a Champions League?
O campeão da Bulgária tem que passar por um playoff (seletiva) para disputar a Champions. Passamos pelo Dedulange, de Luxemburgo, Patizian, da Sérivia, e o último para entrar foi o Steaua Bucuresti, da Romênia. Foi uma conquista muito importante e muitos dizem que fui o responsável pela boa campanha. Deus escolheu esse país (Bulgária) para me abençoar.

E como foi jogar com o Real Madrid?
Foi demais. É o atual campeão do Champions e o atual melhor do mundo (Cristiano Ronaldo) estava lá. Acredito que eles imaginavam que iam chegar aqui e golear. Teve até um comentaristas da TV do Brasil dizendo que íamos pegar de 8 a 0. E no primeiro minuto vi o time deles bem frio e consegui fazer um gol. No final o Marcelo (lateral esquerdo do Real Madrid) ainda disse que dificultamos muito para eles. Foi um momento legal que ele teve com nos jogadores brasileiros do Ludogorets. ele foi bem humilde e ainda trocou a camisa comigo.

Você acredita no futebol amazonense?
Complicado. Para ser bem sincero o fato da assinatura falsa marcou minha família e eles sentem algum tipo de remorso. Se o futebol amazonense continuar com isso de os próprios dirigentes criarem caso em busca de dinheiro eu não vejo evolução nenhuma. Precisa mudar muita coisa. No Amazonas tem muito jogador bom e vi isso nas categorias de base do São Paulo. Manaus tem muito jogador bom, pena que não são aproveitados. Só Deus sabe o que eu passei em São Paulo, no Paraná... Agradeço a Deus por minha carreira.

Família, o porto seguro
Pai de dois filhos (João Vitor, 4, e Miguel Almeida, 2, ) e casado com uma manacapuruense, Marcelinho não se deslumbrou com o sucesso e dinheiro. O meia-atacante é casado com a mesma mulher (Isabela Almeida) que o ajudou desde os tempos de dificuldades. “Me acompanhou desde os meus 20, anos para onde eu fui ela acompanhou meu sofrimento. Agora estamos desfrutando com muita felicidade”, enfatizou o jogador, que agora possui cidadania búlgara.

Com o dinheiro conquistado nos três anos defendendo a equipe do Leste Europeu, o jogador investiu na família. “Antes minha mãe morava numa casa de madeira, hoje ela mora numa casa melhor com dois andares. Estou muito feliz”.

Alívio e orgulho
Presente no pior momento da carreira do filho, seu Agenor, 49, agora respira tranquilo e feliz com o jogador se destacando na Europa. “É difícil de descrever... é muita emoção. Ele é um vencedor. Na época do Rio Negro com esse problema de falsificarem a assinatura dele ficamos muito mal. Minha esposa até adoeceu, teve paralisia facial. Mas a Polícia Civil fez o exame grafotécnico e foi constatada a falsidade. Na época eu falava que no Rio Negro não tinha uma diretoria e, sim, uma quadrilha. Mas estou muito orgulhoso. O Marcelinho é um vencedor”, destacou o pai.

Dona Isabel, mãe do jogador, também não conseguia esconder o orgulho do filho. “Muito orgulhosa mesmo. Por tudo o que ele passou, hoje está realizando o sonho de jogar fora... Estou muito orgulhosa”, declarou.

Ex-técnico do Rio Negro, Mirandinha, descobriu o talento
Foi ele que descobriu Marcelinho no campo do Colégio Agrícola em Manaus. “Foi uma disputa amadora. Ele se destacou naquele jogo que acabaram perdendo”, lembrou o ex-técnico do Galo, que ficou sabendo pela reportagem que jogador não esquecia o primeiro encontro dos dois. “É verdade. (Risos) Eu falei mesmo para ele parar de chorar que estava levando ele para o Rio Negro. Que bom que ele lembrou”, disse o hoje técnico do Itapajé (CE), que recentemente conquistou o acesso para a segunda divisão do Campeonato Cearense.

Orgulhoso da “cria”, Mirandinha ainda comprou briga com um comentarista de uma emissora nacional que disse que o jogador foi revelado pelo São Paulo.

“Ontem (quarta-feira) eu liguei para o pessoal da Band que disseram que ele foi revelado pelo São Paulo. Pedi para eles corrigirem porque ele foi revelado por mim, quando o vi no jogando no campo do colégio agrícola”, reclamou.

Mirandinha sabe que o sucesso de Marcelinho é total reflexo da postura dentro de campo.

“Ele é um menino inteligente. Possui uma boa postura dentro de campo, um bom modo de disputar a bola com determinação e aplicação. É um menino muito obediente. Lembro que coloquei ele contra o Nacional no torneio início e muita gente estava temerosa com a atuação dele e ele jogou muito bem. Muito orgulho pelo sucesso do Marcelinho”, contou.

Fonte: acritica.uol.com.br

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